segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Pedreiro denuncia no MP e na Corregedoria da Seapen maus-tratos e prática de violência por agentes contra apenados no “Urso Branco”

Uma bomba caiu nas mãos da Corregedoria Geral do Sistema Penitenciário da SEAPEN (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária), na última quinta-feira, 01, véspera de feriado do dia de finados, quando o pedreiro Jair Rocha Siqueira, 34 anos, se dispôs a contar de livre e espontânea vontade o período em que ficou preso na Casa de Detenção Dr. José Mário Alves, o “Urso Branco”, relatando a barbárie que sofreu por agentes penitenciários entre os dias 05 a 29 de outubro deste ano, quando foi detido e encaminhado àquela unidade prisional.
Jair Rocha também protocolou denúncia formal de tortura ao Ministério Público de Rondônia e ao Governo do Estado contra a casa de detenção.
O pedreiro foi detido após ter infringido o art. 129, § 3º e 147 do Código Penal Brasileiro, sendo enquadrado na Lei Maria da Penha, onde responde pelo processo nº 501.207-011023-4, na 2ª Vara Criminal.
No Termo de Declarações assinado por ele na Corregedoria Geral do Sistema Penitenciário os fatos relatados pelo pedreiro assustam até os mais experientes, envolvendo torturas e espancamentos quase diários no período que ficou detido.
“BEM VINDOS AO INFERNO”
O pedreiro Jair Rocha foi preso em flagrante pela Polícia Militar no dia 05 de outubro, por volta das 21h00, quando bateu na mulher após uma discussão. Diante do fato foram feitos os procedimentos normais adotados pela Polícia Civil, na Central. Jair foi enquadrado na Lei Maria da Penha e encaminhado ao “Urso Branco”, por se tratar de crime inafiançável e sujeito a um período de reclusão.
De acordo com ele, já no dia 06 de outubro, as quatro da manhã, quando chegou na Casa de Detenção Dr. José Mário Alves, junto com outros cinco homens, a recepção foi violenta, pois os agentes plantonistas deram um grito de alerta à eles dizendo que os mesmos estavam “adentrando no inferno” através de um grito de guerra que até hoje ele não esqueceu: “Sejam bem vindos ao inferno!”.
O que veio a seguir após o brado foi uma série de atos violentos, que constituía do seguinte procedimento, assim relatado por Jair Rocha na Corregedoria da Seapen: ele e mais os cinco homens foram obrigados a se despir, ficando nus, em seguida foram obrigados a andarem de “quatro pés” enquanto imitavam o som de pato. No relato o pedreiro disse que aquele que não seguisse as ordens “ia entrar no cacete”.
Os homens eram obrigados a caminhar dessa forma até chegar a um agente penitenciário conhecido pelo apelido de “Mão de Raquete”, que estava com um capuz preto, também chamado de “toca ninja”. No teatro do horror montado pelos plantonistas, com o som imitando patos os detentos “acordaram” o tal “Mão de Raquete”, despertando a sua fúria.
No termo de declarações de Jair Rocha esse trecho é narrado da seguinte forma: “(...) porém como todos estavam imitando o som de pato, os plantonistas advertiram-nos no sentido de que tal barulho havia despertado o tal Agente Penitenciário, e por conta disso disseram que agora os reclusos estariam encrencados; (...)”
O que ocorreu em seguida Jair conta que ele e os outros detentos foram algemados em um cano que fica fixado na parede, em uma grade de ferro próximo do comissariado, quando então “Mão de Raquete”, portando um pedaço de madeira, espancou todos após anunciar que “iriam entrar no pau”. Não achando muito ainda os surrou com vários socos e pontapés.
Em seu depoimento à Corregedoria Jair Rocha disse que conseguiu visualizar a fisionomia de “Mão de Raquete” e seria capaz de descrevê-lo de forma segura como sendo um homem de estatura alta, forte, cabelos pretos e com a idade aproximada de 30 anos.
TIROS NO CORREDOR
O terror que o pedreiro disse ter sofrido vai além da recepção brutal, pois de acordo com o seu depoimento, as torturas e pressões psicológicas sofridas no período que ficou detido atingem todos que ali naquela casa de detenção se encontram, de forma diária.
Nas denúncias protocoladas junto ao Ministério Público do Estado de Rondônia e ao Governo do Estado, Jair Rocha relata procedimentos diários que fogem da pregação re-educacional propalada pela administração da Casa de Detenção Dr. José Mário Alves e embasada pela Seapen, por isso mesmo o efeito das declarações do pedreiro tem o efeito devastador de uma bomba.
As denúncias são fortes e contundentes. Em seu relato que consta do documento-denúncia encaminhado ao Ministério Público, Jair Rocha diz que no tempo que ficou no “Urso Branco” uma prática comum que observou e sentiu na pele foi o fato de que todos os dias, a partir das 23h00, os Agentes Penitenciários acordavam os detentos com um spray de pimenta jogando nos rostos dos mesmos, depois eram obrigados a ficar no corredor cheio de sabão e água e sob tiros de escopetas (12) deviam correr de um lado para o outro o quanto pudessem, sem cair. Aquele que se desequilibrasse e caísse era duramente espancado.
Outro procedimento que atenta as normas de reeducação naquela unidade prisional e que deixou marcas em Jair Rocha foi a tortura psicológica praticada pelos plantonistas que não deixavam os apenados dormirem, pois, segundo o pedreiro, com freqüência eram lançadas bombas de efeito moral e gás pimenta dentro das celas.
Ainda em seu relato para a Corregedoria da Seapen, Jair ressaltou que todos os plantonistas que utilizavam esse procedimento estavam vestidos de preto e usavam capuzes.
Para piorar a situação outra denúncia grave é quanto ao tratamento dado aos apenados doentes e debilitados, que eram obrigados a deixarem as suas celas e conduzidos até a quadra em dia de chuva, e ficavam sob vigília naquele local.
INDIGNAÇÃO
O pedreiro Jair Rocha disse que o seu delito, bater na esposa, com quem está casado a mais de 17 anos e tem 04 filhos, após discussão, que o levou a ser enquadrado na Lei Maria da Penha, foi um ato inconseqüente e impensado, mas não esperava jamais ser equiparado a “bandidos de alta periculosidade” e ter passado o que passou no “Urso Branco”.
Jair ficou indignado e revoltado com os constrangimentos e torturas, psicológica e física, que passou no período em que ficou detido naquela casa de detenção. No Termo de Declarações de Jair Rocha à Corregedoria da Seapen descreve a sua situação da seguinte forma: “(...) e nunca se envolveu em nenhum delito, mas quis a sorte do destino o colocar naquele local tenebroso, onde se encontram vários mal feitores, porém sua indignação maior é o fato de pessoas que tem o dever de preservar a integridade física e respeitar a dignidade da pessoa humana (...)”.
A reportagem do rondoniaovivo.com só teve acesso às cópias das denúncias que foram encaminhadas ao Ministério Público e ao Governo do Estado, assim como a cópia do Termo de Declarações – assinado pelo declarante, Jair Rocha Siqueira, e pelo presidente da 3ª CPPAD/COGESP/SEAPEN, Antônio Carlos da Silva Vieira – no final da tarde de quinta-feira (01) e tentou entrar em contato com a Seapen/RO para ter uma posição sobre o caso, mas não obteve sucesso, deixando o espaço aberto para o secretário-titular daquela pasta, Gilvan Ferro, se manifestar.